9.1.13

Aquele cara ali.

E então o cara me mandou todos os contos. Todos. Um a um. À meia noite em ponto de cada noite eu lia com voz rouca e alta tentando fazer pausas dramáticas; só imaginando o pesar daquelas histórias todas. Caras e bocas, dava mais um trago, soltava um sorriso, uma chacota. No fim de tudo eu não tinha reação. Ele apenas me via, ouvia. A reação só viria quando viesse outra noite, outra madrugada, outro conto.

E então o cara me mandou todos os sonhos. Não, os contos. Os contos que ele não contava enquanto estava acordado, e podia falar. Abrir a boca pra falar muito ele sempre gostou pouco. Gostava de abrir a boca apenas na hora certa - o grande sorriso. Ele não gostava de escrever contos do passado. Ou não. Ele não gostava de se sentir no passado e então escrevia contos. Melhor, escrevia contos pra achar que estava escrevendo um novo presente. Acho que era isso. Sempre fiquei meio confusa.

Quando ele resolveu escrever o último deles, que contava a história de um viajante que adorava apenas viajar por sua terra natal, eu assustei. Foi naquela noite que eu entendi tudo. Os contos que ele escrevia faziam-no mergulhar em mar - e como o mergulhar de uma baleia, grande, gorda, linda - reaparecer em dois segundos no mundo em que ele abandonara. Ele viajava, ao som de balanços. Ele viajava numa grande caravela pintada de asfalto. Viajava por um mar azul, límpido, morto. Porque aquele não era o mar que ele queria; e porque talvez ele nem gostasse muito do mar. O mar só servia pra que ele chegasse no chão cinza e quente, de dias nublados e chuviscos. Esse cenário era fundo falso para a maioria dos contos.

E então o cara não me mandou mais nada, porque eu havia descoberto. E quando ele percebeu, resolveu partir. Fez a mala, largou pra trás os personagens, os contos, os sonhos. E me deixou aqui, falando sozinha, esperando dar meia noite, pensando nos anos.

Não se pode mais sonhar, quiçá contar.
Ele não vai voltar, esse cara.

6.1.13

sei não

- Era assim que você previa a sua morte?
- Não.
- Você vai se matar?
- Talvez.
- Aos poucos está bom para você?
- Não sei.
- E por que está fazendo desta maneira?
- Sei lá.
- Você não vê que está exagerando?
- Vejo.
- E não vai parar enquanto é tempo?
- Tempo?
- Tempo pra pensar que não precisa ser assim.
- ...
- Vem cá, tem certeza do que está fazendo?
- Quase.
- A taquicardia já começou?
- Não por isso.
- Então por que?
- Ah...!
- Por que?
- Você nunca se apaixonou?
- Talvez.
- E foi assim tranquilo, vivendo lentamente?
- Não.
- E acha que deveria ser mais devagar?
- Não sei.
- Conseguiu evitar seus exageros? Foi de verdade?
- Sei lá.
- Você vê o quanto isso é confuso?
- Vejo.
- E o tempo não te fez aprender nada sobre isso?
- Tempo?
- Tempo, que faz a gente aprender, lembrar, entender, esquecer...
- ...
- Vem cá, sua vida tem objetivos?
- Quase.
- E você não se preocupa em sentir algo mais?
- Não por isso.
- Então por que?
- Uh...!
- Era assim que você previa a sua vida?
- Pode ser.
e se desse pra parar de respirar?
e se desse pra não mais dormir?
e se desse pra não mais comer?
e se desse?
e se desse vontade de não fazer nada?
e se desse de dar
e se desse aquela vontade de só pensar?
e se desse do café acabar?
e se desse vontade de não pensar?
e se desse vontade de apagar tudo?

e se desse pra isso ser de verdade?

e se desse???
ou se desse?
se desce?
e se desse pra mente parar de funcionar?
e se desse pra ver onde tudo isso vai dar?
pena que não dá. desce mais uma então. quem sabe se dá?

Trago

Me traga seus lábios, e com ele me diga algo que eu não queira ouvir.
Diga. Pra que isso passe logo, por favor, diga.